A solidão da viajante solo
Reflexões de 11 meses e 12 países viajando sozinha.
"Eu ando pelo mundo, e meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor, cadê você?
Eu acordei
Não vi ninguém ao lado
Eu ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone.’’
Adriana Calcanhoto - Esquadros
Intercâmbios culturais, novas experiências, comidas exóticas, paisagens paradisíacas, festas incríveis, amigos novos, transas internacionais, alguns desafios e um dia ou outro de saudade de casa. Isso foi o que veio a minha mente quando decidi encarar uma viagem solo para o Sudeste Asiático.
Parece ingênuo, mas não pensei em solidão. Só pensei em ir, sem nada programado, apenas viver e sentir. O que era para ser uma viagem de 6 meses pela Tailândia, Vietnã e Nepal, acabou se tornando uma viagem de 11 meses pela Tailândia, Malásia, Filipinas, Indonésia, Laos, Austrália, Alemanha, Áustria, República Tcheca, França e Espanha. Pelo caminho coloquei o Nepal para uma próxima vez, perdi o interesse pelo Vietnã e descobri a solidão como um grande aprendizado dessa viagem.
A viajante solo não está sozinha, apesar de, literalmente, estar. Existem muitos outros fazendo a mesma coisa e, sim, você irá encontrá-los. Chega a ser cansativo fazer sua apresentação tantas vezes, um cronograma de nome, idade, nacionalidade, profissão, por onde já foi e por onde vai estar… Teve um cidadão que conheci que se recusou a se apresentar seguindo essa lista, por já estar cansado da repetição, e me fez ter a experiência de estar com ele falando exclusivamente de qualquer outro assunto. Depois que dei um beijo nele e ele me falou que era da Nicaragua, mas nunca me revelou sua idade.
Os viajantes solo são pessoas normais, e não é porque temos uma coragem em comum que isso faz com que todo viajante solo será um amigo em potencial. Vivi numa corda bamba cambaleando ora para um lado, ora para o outro entre duas máximas contraditórias: “o ser humano é uma espécie social” e “antes só do que mal acompanhado”. Quando se viaja sozinha você PRECISA conhecer pessoas ao mesmo tempo em que é cansativo estar aberta a conhecer desconhecidos o tempo todo.
A língua foi o primeiro gatilho que me botou em encontro com a solidão. Apesar de eu saber falar inglês, nunca fui fluente e ter que dar voltas nas ideias para conseguir encontrar uma forma de me expressar nas habituais conversas de temas complexos que adoro ter, me fez me sentir burra e levar minha auto-estima pro buraco. Para uma jornalista que sabe que cada palavra carrega seu significado único e busca com precisão traduzir pensamentos e sentimentos, é frustrante demais. Metade de mim é humor e sarcasmo e não ser capaz de fazer piadas como costumo, pela diferença da cultura, por não saber traduzir ou por perder o timing, foi perder parte da minha personalidade e viver a crise identitária que isso traz. O humor é a quintessência dos códigos de uma língua e de uma cultura e eu só me senti eu mesma novamente quando me tornei capaz de fazer piadas. Isso levou tempo e disposição, coisas incômodas que nos botam bem fora da nossa zona de conforto.
Um mês viajando sozinha é bem diferente de onze meses. Estar sozinha por pouco tempo é lindo para quem quer ter a experiência de olhar para dentro, mas depois cansa. No começo cheguei em paraísos e me senti abençoada por ter toda aquela natureza só pra mim, depois começou a perder sentindo chegar em mais um paraíso e olhar pro lado e não ter ninguém para compartilhar. Até passar perrengue, algo que adoro e estou acostumada, é bem diferente quando se está sozinha, no começo eu ri, depois não tive ninguém pra rir comigo e então eu chorei. Passei o Natal e meu aniversário sozinha, perdida e triste e meu Réveillon em uma estação de ferry no cu do mundo, dividindo um miojo com outros três perdidos e tirando baratas da cama do navio de carga pra poder dormir. Isso me fez pensar qual era o sentido daquilo tudo e pensei em desistir, mas segui.
Um orçamento de R$150 por dia, precisando ainda economizar pra poder comprar a passagem pro próximo destino, também contribuiu para a solidão. Muitas decisões que precisei fazer por conta do baixo orçamento me colocaram em uma posição desagradável e que a maioria dos viajantes (que são europeus) não precisam passar. Mas isso também te traz experiências únicas e especiais. Nas Filipinas, onde a logística e os preços são diferentes do restante dos países do Sudeste Asiático, precisei abrir mão de passeios que os viajantes do hostel iam e fazer outras atividades sozinha, o que me permitiu viver experiências absurdamente inusitadas com os locais filipinos. Ou na ilha de Koh Tao, na Tailândia, em que eu não tinha como pagar para chegar em um ponto de snorkel com o passeio de barco e eu decidi ir nadando sozinha para chegar lá, um trajeto de duas horas de nado em um mar que tinha tubarão e eu sem seguro de saúde. Fui com medo mesmo, no mantra de que nada iria acontecer.
Em resumo, viajar sozinha é mais uma questão de avaliar qual é o seu limite, até onde você tem coragem de ir e o que está disposta a passar. Quanto mais você se permite, mais se arrisca, mas também mais se transforma. E, no final das contas, não é a transformação pessoal que todo viajante solo busca?
“Quando uma pessoa começa a aprender, ela nunca sabe muito claramente quais são seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem. Devagar, ela começa a aprender… a princípio, pouco a pouco, e depois em porções grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o que ela imaginava, de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa, e o medo que a pessoa sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito toma-se um campo de batalha.”
Castañeda - Erva do Diabo
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