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Já chorei de inveja

Você quer o que é dos outros ou tapa seu umbigo?

Em um dia sem internet, achei um livro sobre emoções da filha de uma amiga que me trouxe a mente essa reflexão.

Inveja é ruim, a sabedoria popular me ensinou. Bote um esparadrapo no umbigo para se proteger, uma influencer me ensinou também. Em tempos de redes sociais a inveja alheia é status, quanto mais invejado se é, mais bem-sucedido você deve ser. 

Mas tem duas coisas que sempre estranhei sobre a inveja, uma é quem acha que seus infortúnios na vida são efeito da inveja dos outros, porque em minha leitura isso é mais uma armadilha do ego, outra é a conta que não fecha: em se tratando de inveja todos são passivos, ninguém é ativo, todos são invejados, ninguém inveja. Estranho. 

Aí agora você vai lembrar daquela situação em sua vida que você foi tão invejada por alguém que chegou a perder algo, ou a sensação de energia drenada que você sente após encontrar alguém que fala vomitando inveja, ou até mesmo aquela planta que morreu depois do mau-olhado de uma certa pessoa. Precisamos concordar que plantas são sensitivas, gatos também, eles dizem. Ai de você se chegar em um lugar e o gato não gostar de você. 

Eu não estou aqui para negar que a inveja existe e de que ela provoca efeitos. Há estudos empíricos que comprovam o poder da inveja. É só você ter o último pedaço do bolo em uma sala cheia de olho-gordo. O bolo vai cair no chão, é ciência pura.

Jade Picon no Big Brother Brasil com o umbigo tapado para afastar inveja: funciona mesmo ou é mais uma criadora de hypes?

O que eu quero trazer aqui são dois novos pontos para reflexão que nós enquanto sociedade não ousamos admitir e que se não é reconhecido não é trabalhado, e então perdemos uma ótima oportunidade de usar a inveja como ferramenta para o autoconhecimento.

O primeiro é que, ao contrário do que o livro infantil (primeira foto) diz, a inveja nem sempre se configura como algo que você quer tirar do outro, muitas vezes é aquilo que você também quer e em certa medida sofre porque não tem, mas não necessariamente deseja que o outro não tenha, o que é nomeado popularmente como "inveja branca" (um termo problemático, mas não entraremos nessa celeuma agora). 

Segundo é, se negarmos que temos inveja, porque inveja é coisa de gente ruim e não queremos ser gente ruim, perdermos a chance de reconhecer as nossas faltas. O que falta em mim? O que eu vejo no outro que me desperta esse algo com o qual eu me identifico mas que ainda não tenho? O que eu gostaria de ter?

Quando eu sinto inveja fica claro o que me falta e é claro que dói, mas é claro também o que eu admiro no outro e gostaria de ter. Nossos objetos de inveja dizem muito sobre nossa personalidade e valores. E então acredito que há invejas que são nobres e são oportunidades para criarmos caminhos que queremos alcançar, adaptados ao que é da nossa essência.

Ninguém sente inveja, mas todos tem um olho-grego. Estranho.

Cito um exemplo pessoal porque com exemplos fica mais fácil e para vocês verem que gente bonita também sofre (entra aqui as risadas artificiais das séries de comédia). A família do qual eu julgo perfeita do meu namorado é um tremendo gatilho de inveja para mim, crescida em família disfuncional. Ao estar entre eles sinto o quão desprovida fui/sou desse amor e cuidado familiar e o quanto eu gostaria de ter isso. Há momentos que me dói até ver as fotos deles penduradas na parede espalhadas pela casa. Tive uma crise de choro no Natal que era de dar pena.

Creio que essa seja a inveja mais profunda que já senti de alguém por algo que gostaria de ter. Isso mostra que eu quero roubar a família dele para mim? Óbvio que não. Isso mostra que construir minha família me traria satisfação? Talvez sim, talvez não. Isso mostra que preciso trabalhar esse assunto em terapia? Com certeza.

Negar a inveja ou colocá-la como vilã é a poeira que a gente esconde debaixo do tapete. E dentro dessa perspectiva eu prefiro gastar meu tempo identificando, aceitando, compreendendo e curando minhas invejas do que comprando esparadrapo para tapar meu umbigo. Porque, sejamos honestos conosco mesmos, sentimos inveja e também somos invejados (seja lá em que nível for), assim como somos felizes e tristes. Cerque-se de pessoas que te querem bem, pare de se gabar tanto, faça o bem, segure firme seu último pedaço de bolo e está tudo certo. Use a inveja a seu favor.  :)