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Branca no Nordeste, parda no Sul, nativa na Ásia, latina na Europa

Quem sou eu no mundo de miscigenados brasileiros?

A brasileira Angélica Dass combinou 4 mil retratos com cores do catálogo da Pantone e provou como é limitada a classificação dos seres humanos por cores. (Clique na imagem para ir para a matéria)

“Você é de família oriental?” Não. “Mas porque você tem traços orientais?”. Sei lá, vai ver não sou filha do meu pai?! 😂

Perdi as contas de quantas vezes tive essa conversa, muito antes de sonhar em ir para Ásia. Olhos puxados, cabelo liso preto, cara amassada de batata e cor de pele CMYK 18/56/74/3 a depender da luminosidade. Não foi a toa que meu apelido de bullying no ensino médio era japonesinha travesti e que meus amigos diziam “tirando a bunda, que é brasileira, você se passa fácil por tailandesa”, quando decidi fazer um mochilão no Sudeste Asiático.

Na árvore genealógica materna, uma avó loira de olho azul claro e um avó cafuzo, o que gerou o lado dos morenos e o lado dos brancos na família, a depender de quem puxou mais minha avó ou meu avô. Na paterna não sei nem os nomes das pessoas, quem dirá fenótipo. Meu pai é branco, mas quem puxou ele foi minha irmã mais nova. Eu puxei mais a minha mãe, que foi a única das irmãs do lado dos morenos.

Lembro na adolescência de culparmos nossa avó por ter se relacionado com meu avô e acabado com nossas possibilidades de ter seus olhos azuis, mas infelizmente Deus não dá asa a cobra. Ela adorava esse papo porque também se arrependia de ter casado com ele, que pintou, bordou e a roubou até o divórcio, então era uma ótima deixa para ela descascar nele com nosso aval. 😂

Na minha certidão de nascimento o escrivão digitou branca, mas quando fui renovar minha identidade me declarei parda porque, segundo o IBGE, a regra é como a pessoa se vê, é ela quem diz qual é a própria cor. Porém, todavia, entretanto, ter cabelo liso e não ser negra no Brasil significa ter privilégios brancos, e me pergunto se devemos considerar isso na autodeclaração. Esse é o tipo de dilema que meu namorado alemão não precisava passar e acha tedioso quando começo a ponderar e eu acho frustrante não poder dialogar sobre isso com ele. Isso porque quando respondi que no Brasil a gente tem esse tipo de questionamento porque os africanos foram escravizados ao invés de mortos em câmaras de gás como os não-arianos pelo povo dele, ele pegou ar e disse que estávamos proibidos de falar desse assunto. Agora pagam de sensíveis os alemães… ah tá. 😂

Na Indonésia, os indonésios falavam em indonésio comigo abafando que eu era de lá, até eu responder em inglês.

Visitando meus "parentes antigos" na região das refugiadas de Myanmar em Pai, Tailândia.

Meu mochilão pelo Sudeste Asiático, Austrália e Europa adicionaram novas percepções identitárias. A separação que os europeus e australianos fazem entre eles, brancos, e eu, latina, era óbvia. Os assuntos iam de privilégio branco, imigração europeia, colonização, até “mulheres brancas não gostam de lamber cu”. 😂 Um dia me vi tomando marguerita em uma restaurante tirado a chique de nome Whitening (o quão problemático seria isso no Brasil?) na ilha de Koh Tao, na Tailândia, conversando com um suíço que, em um desses tópicos, soltou “Afinal, você se parece mais com os clientes ou com os trabalhadores desse restaurante?”, e eu respondi “Nesse momento estou como cliente, mas poderia estar facilmente como trabalhadora também”. Depois, pensando melhor, a verdade é que eu poderia ser garçonete, mas provavelmente não lá, a julgar pelo quanto os tailandeses ganham mensalmente.

Entre os asiáticos eu era local, muitos me perguntaram de que região da Tailândia eu era, mesmo eu tendo uma bandeira do Brasil pregada na mochila. Na Indonésia falaram comigo em indonésio e ficavam surpresos quando eu respondia “I beg your pardon?”. O auge da identificação foi quando visitei as refugiadas do Myanmar e todos responderam “irmãs” quando postei a foto no Instagram.

Isso me fez voltar pro Brasil marcando minha cor de pele como amarela em um questionário de candidatura para um trabalho, em que as opções eram branca, amarela, negra ou indígena. Fato é que eu não sou branca, mas vindo de Salvador, a cidade mais negra fora da África deve ter gente que me considera como tal, mas eu não. Marcar indígena significa ter que comprovar que tem ascendentes de tribo indígena, e, afinal, quem tem o privilégio de ter uma árvore genealógica completa no Brasil? Negra eu passo longe, se até os pardos o movimento negro não consideram dignos das mesmas pautas. Me sobrou amarela, quem vai dizer que não?

Imagino que tenha gente bem resolvida com sua cor, mas acho irreal que neste Brasil miscigenado a gente ainda tenha que se definir como de alguma raça específica e tendo que usar a cor como parâmetro. Entendo que a categorização é necessária para a conquista de pautas sociais específicas a grupos de influência minoritária, a qual sou totalmente a favor, mas, nesse limbo identitário, a qual grupo pertenço? A mistura de branca, negra, indígena e amarela tem que nome? O meu, com certeza.